OPERAÇÃO COARI
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OPERAÇÃO COARI

Atualizado: 20 de dez. de 2023

Diocese de Marília envia em missão para Amazônia padre citado em dossiê acusado de esbanjar recursos de paróquia de Panorama (SP)

O padre Claudinei de Almeida Lima: passagem rápida e tumultuada pela Paróquia São José de Panorama (SP)

Menos de um mês depois da substituição do vigário geral, em meio às festas da virada para 2019, a Diocese de Marília tira de cena mais um de seus padres acusados supostos de desvios de conduta moral, segundo denúncias anônimas distribuídas em um dossiê entregue à imprensa de Marília e região, no primeiro semestre de 2018.

Diferentemente do agora ex-vigário geral, o cônego João Carlos Batista, que atua desde o dia 1º quase que exclusivamente no pastoreio da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, na Zona Sul de Marília, o padre Claudinei de Almeida Lima foi enviado ao Norte, não da cidade ou da região, mas do país mesmo, a propósito de "missão", segundo divulgou a Diocese de Marília em sua conta oficial no Facebook (veja aqui).

O destino do padre é a longínqua Paróquia São Sebastião de Caapiranga, município embrenhado no meio da selva amazônica, a 134 quilômetros de Manaus, Rio Amazonas acima. Claudinei foi o único escolhido para o "envio missionário" entre outros quatro padres - além de um seminarista, hoje recém-ordenado - que visitaram aquela região em janeiro de 2018.

A viagem de Claudinei está prevista para esta sexta-feira (18). A missa de envio foi celebrada no último domingo (13) na comunidade de origem do sacerdote, a Paróquia São Francisco Xavier, em Bastos (SP), sua cidade natal. Segundo apurou o blog, ele deve permanecer em serviço missionário por, pelo menos, dois anos, quando poderá retornar à Diocese de Marília.


Padre Claudinei em visita à Diocese de Coari, em 2018: ele foi o único escolhido da Diocese de Marília para voltar para lá

CONSELHO À PARTE

Segundo informou a Cúria, a ida do padre Claudinei para a Amazônia é fruto de um "acordo de igrejas-irmãs" firmado há três anos entre os bispos de Marília, dom Luiz Antonio Cipolini, e dom Marcos Piatek, da Diocese de Coari.

O 'empréstimo' de um sacerdote, no entanto, é algo novo na recente relação entre as duas dioceses separadas em mais de 3,5 mil quilômetros.

A decisão foi exclusiva do episcopado. O Conselho de Presbíteros da Diocese de Marília, por exemplo, que poderia ter sido consultado - e, inclusive, questionado a escolha de Claudinei, por conta das acusações que recaem sobre ele - ficou alheio à questão. O conselho, aliás, está sem se reunir - e, por consequência, sem deliberar nada do que acontece na diocese - desde outubro do ano passado.

O último encontro, que aconteceria no dia 21 de novembro em Adamantina (SP), foi cancelado em virtude do sepultamento, no mesmo dia, do pai do padre Julio Pereira de Souza Neto, da Paróquia São Miguel Arcanjo, de Marília. Chegou-se a cogitar, na ocasião, a oportunidade de uma rápida reunião pela manhã - o enterro foi à tarde, em Junqueirópolis (SP) -, mas não houve acordo.

Indiferente à opinião de seu presbitério, dom Luiz não encontrou problemas com seu colega de solidéu para encaminhar um padre acusado de supostos desvios morais e administrativos para os rincões amazônicos. Se quisesse, Dom Marcos Piatek até poderia recusar a indicação, mas não o fez.

Além de precisar de farta mão-de-obra missionária, o bispo de Coari sabe que uma recusa do tipo poderia provocar certo constrangimento na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mais particularmente na Comissão de Doutrina da Fé, na qual é um dos membros e cujo presidente é o bispo de Santo André, dom Pedro Carlos Cipolini, irmão do bispo de Marília.


O bispo de Coari, dom Marcos Piatek: relação de proximidade com bispos da família Cipolini

FORA DE SERVIÇO

A transferência do padre Claudinei, mesmo que temporária e afiançada pela virtude de um "envio missionário", ganhou ares de uma 'Operação Coari', deflagrada de última hora, sob a desconfiança de um propósito bem menos nobre: distanciar um sacerdote envolvido recentemente em novas polêmicas.

Claudinei estava há mais de quatro meses fora de serviço. Ele pediu renúncia da Paróquia São José de Panorama (SP) após quase e tão somente oito meses de um pastoreio conturbado do início ao fim - de 21 de janeiro a 30 de agosto. Muito pouco tempo para quem antes havia acumulado 12 anos consecutivos como pároco de Nossa Senhora Aparecida, em Quintana (SP).

O padre deixou Panorama sob acusação de esbanjar os recursos da paróquia, entre outras queixas, segundo um relatório encaminhado ao bispo de Marília pelo Conselho de Assuntos Econômicos Paroquiais (CAEP) da própria comunidade após meses de acompanhamento dos gastos, principalmente os relacionados à casa paroquial e ao consumo de combustível.

SOB SUSPEITA

Enquanto dividiu a mesma paróquia com outros dois padres - José Ferreira Domingos e Marcelo Feltri Ribeiro, então vigário e auxiliar, respectivamente - em janeiro e fevereiro de 2018, Claudinei não representou nenhum aumento significativo de custos para a paróquia, apesar do acréscimo temporário de um terceiro padre.

Segundo balancetes financeiros a que o blog teve acesso, a realidade começou a mudar a partir de março, quando o novo pároco ficou sozinho na administração da paróquia. O custo de combustível foi o primeiro alarde: subiu de R$ 314 para R$ 825,50 (aumento de 162,90%). Em abril, chegou a R$ 1.029,74 e em maio já havia alcançado R$ 1.209,71, ainda de acordo com os balancetes.

O custo da manutenção da Casa Paroquial, que havia somado R$ 1.138,90 em fevereiro com três padres, seguiu no mesmo patamar apenas com Claudinei no mês seguinte (R$ 1.104,46) e, a exemplo dos gastos com combustível, continuou a subir em abril (R$ 1.270,85) e maio (R$ 1.396,88), como exemplos.


Nota fiscal de R$ 940,60 de consumo de combustível, em maio: gasto chegou a mais de R$ 1,2 mil no mês

DESPERDÍCIO

O aumento inesperado dos custos com o novo pároco em tão pouco tempo levou o CAEP a uma checagem completa das movimentações financeiras da paróquia. A análise das notas fiscais entregou a resposta: o dinheiro da paróquia estava à mercê do desperdício, escoado no ralo de aquisições suspeitas de combustível e de um estilo de vida estranho a uma casa paroquial.

"Em relação ao combustível, pode-se observar que, por várias vezes aparecem dois abastecimentos no mesmo dia e/ou na mesma nota. Em conversa com frentista de um dos postos, tivemos conhecimento que o padre algumas vezes vai, abastece o carro da paróquia (Siena) e já em seguida volta para abastecer o carro particular (Fusion)", constatou o CAEP.

"No que se refere aos gastos com mercado, foi constatada a compra de itens que não fazem parte da alimentação básica como cerveja, ração para cães, barbantes para artesanato, bolo de festas, entre outros. Paralelo a isso, o gasto financeiro com pastorais tem sido limitado pelo atual padre", complementou o conselho.

As afirmações constam no relatório enviado ao bispo, ao qual o blog teve acesso.

O documento, datado de 18 de junho de 2018, é assinado pelos membros do CAEP e pela ampla maioria dos representantes do Conselho Paroquial de Pastoral (CPP).


Além de adquirir somente produtos de grandes marcas, paróquia ainda bancava a cervejada do padre

VISITA DO BISPO

Segundo apurou o blog, a formalização de um relatório sobre a situação das contas da paróquia foi uma recomendação do vigário episcopal da região III, o padre Valdemar Cardoso que, por sua vez, o encaminhou para análise na reunião ordinária de junho do Conselho de Presbíteros. A resolução informal, na ocasião, foi de prudência com a situação.

De posse do relatório e ainda outros documentos relativos à provisão aos padres na administração das paróquias, o bispo de Marília viajou para tratar sobre o assunto pessoalmente em Panorama (SP). Era 15 de julho de 2018. Frente a frente, dom Luiz e cerca de 40 paroquianos - a maioria, coordenadores de movimentos e pastorais, signatários do documento entregue ao próprio bispo - deliberaram sobre o padre por cerca de duas horas no salão paroquial.

Inicialmente, o bispo manteve-se em silêncio. Escutou, um a um, quem se dispôs a falar. Depois, segundo relatos ouvidos por este blog, dom Luiz teria afirmado que a paróquia queria um "padre santo", ao que ele não teria nenhum para enviar e que a igreja não é como uma firma que se contrata e demite uma pessoa de uma hora para outra. E mais: que se a comunidade "não soubesse corrigir com amor, que não corrigisse".

Quanto às notas anexadas no relatório, dom Luiz alegou que a comunidade estava "pegando no pé do padre". "Ficamos chocados com as palavras do bispo. Realmente decepcionados. Nós nos sentimos diminuídos sem forças para lutar pela verdade", afirmou uma paroquiana, que preferiu não se identificar.


DIREITOS

Antes de ir embora, o bispo reforçou o dever da comunidade pelo sustento de seu sacerdote. De fato, segundo assentou-se em assembleia pelos presbíteros da Diocese de Marília, as paróquias são financeiramente responsáveis por seus padres, a começar pelo pagamento dos salários (côngruas canônicas), cujos valores variam entre R$ 2.862 a R$ 3.816 (base de três a quatro salários mínimos vigentes, caso atendam uma ou duas paróquias, respectivamente) ou até mais.

As obrigações do cofre paroquial com os sacerdotes incluem ainda o recolhimento de previdência, plano de saúde, a manutenção da casa paroquial (funcionários e alimentação) e do veículo, além do pagamento de combustível - neste último caso, exclusivamente para trabalhos de evangelização (reuniões diocesanas, missas, entre outros compromissos religiosos).

A "adequada remuneração dos clérigos e assistência social" consta no Direito Canônico no cânone 281, parágrafo primeiro, no qual se lê que "os clérigos, quando se dedicam ao ministério eclesiástico, merecem uma remuneração condizente com sua condição, levando-se em conta, seja a natureza do próprio ofício, sejam as condições de lugar e tempo, de modo que com elas possam prover às necessidades de sua vida e também à justa retribuição daqueles de cujo serviço necessitam".

O cânone seguinte, em seu parágrafo primeiro, ressoa como um alerta: "os clérigos levem uma vida simples e se abstenham de tudo o que denote vaidade". Ou seja: o padre deve ser o principal exemplo visível da gestão eficiente dos recursos da paróquia que administra e não um fardo - ou pior, motivo de escândalos.


AMEAÇA E DIVISÃO

Apesar das acusações, o padre saiu fortalecido por algum tempo após a visita do bispo, que o defendeu pública e pessoalmente. O primeiro alvo da reação de Claudinei foi o próprio CAEP. Ele já havia ficado irritado ao saber que os membros haviam deliberado sobre suas contas em 22 de maio, enquanto participava de um retiro com o clero. Indignado, ameaçou destituir o conselho.

Aqueles que haviam cumprido a atribuição de investigar como o padre gastava o dinheiro da paróquia viram-se agora também como alvo de críticas, seja nas rodas de conversa da comunidade, nas homilias e pelas redes sociais. A igreja dividiu-se de vez.

Paroquianos ouvidos pelo blog, que preferiram não se identificar, alegaram que passaram a ser perseguidos por outros membros da comunidade e, principalmente, pelo padre.

Em contrapartida, outras lideranças da igreja saíram em defesa de Claudinei. Alegaram perseguição ao padre por conta das mudanças que ele teria começado a empreender na igreja que, por sua vez, teriam incomodado um seleto grupo de paroquianos, contados entre os principais coordenadores. Fiéis também aprovaram o "jeito novo" das celebrações da igreja sob a presidência do novo pároco.
Manifestações de apoio ao padre expuseram uma paróquia dividida, apesar das denúncias

BATISMO E RENÚNCIA

Apesar de toda discussão acerca da contabilidade da paróquia, o episódio isolado de um batizado, ministrado em 8 de julho - portanto, antes da visita do bispo - acabaria por abreviar a passagem de Claudinei pela Paróquia São José. O dilema começou quando o padre solicitou o assentamento do sacramento sem apresentar os documentos exigidos pela igreja.

Claudinei deveria ter entregue as certidões de nascimento da criança e de casamento dos pais e padrinhos, além do certificado do curso de preparação do batismo. Ele não levou nenhum. Soube-se depois que os padrinhos não eram casados na igreja e que deveriam ter apresentado, ainda, uma autorização da paróquia de origem, de outro município.

Sem nada em mãos, a secretaria não fez o registro. Pressionada pelo padre, uma funcionária recorreu ao vigário episcopal da região. Era dia 24 de agosto. Como havia prometido, o padre Valdemar Cardoso ligou para o colega para pedir a documentação. A reação de Claudinei? Demitiu a secretária.

O assunto foi parar na Cúria. Indignados, membros do CAEP agendaram uma audiência com o bispo para cobrar providências e se deslocaram até Marília. Havia expectativa desta vez sobre como dom Luiz, que já havia ignorado o relatório financeiro, reagiria à negativa do padre no cumprimento das regras básicas do sacramento que ministrou - e que acabaria por ser assentado por ele mesmo, à mão.

Era 30 de agosto. Na noite do mesmo dia, Claudinei celebraria sua última missa à frente da Paróquia São José. Fiéis favoráveis ao padre vestiram-se de branco e o presentearam com rosas. Crianças prestaram uma homenagem com um cartaz onde se lia 'Somos Todos Padre Claudinei'. A missa foi exibida ao vivo (veja aqui).

Ao final, o padre agradeceu a comunidade pelo carinho recebido. No dia seguinte, ele comunicou sua renúncia, que teria sido aceita pelo bispo. Poucos dias depois, a Cúria designaria o vigário episcopal da região 3, Valdemar Cardoso, pároco de Nossa Senhora da Glória, de Tupi Paulista (SP), como administrador da Paróquia São José até que fosse nomeado o novo pároco.
Padre Claudinei em sua última missa na São José: homenagens na véspera de anúncio de renúncia

NOVOS TEMPOS

O escolhido por dom Luiz foi o padre Ademilson Luiz Ferreira, pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, de Marília. Ele, que acumulou ainda o pastoreio também da Paróquia de Nossa Senhora das Mercês, de Santa Mercedes, assumiu a Paróquia São José em dezembro de 2018, ao lado do novo vigário da comunidade, o padre Milton Afonso do Nascimento, ex-pároco de Nossa Senha de Fátima do Jóquei, também de Marília.

Em entrevista ao blog, Ademilson afirmou ter encontrado a paróquia "organizada por ter um CAEP que a administra bem". "Não tive acesso a tudo que aconteceu aqui. Estou focado em fazer o meu trabalho e em conquistar as pessoas para a igreja e para o reino de Deus, principalmente", frisou. "O que conta é a partir de agora. A comunidade precisa crescer, caminhar para frente".

Natural de Osvaldo Cruz (SP) e ordenado em 2000, Ademilson ganhou notoriedade na região após sair na capa da Revista D Marília como "uma das novas caras e vozes da Igreja Católica contra a injustiça social". "Negligenciar os deveres com os compromissos deste mundo põe em risco a própria salvação se procurarmos viver uma fé de sacristia, dentro da igreja e não sairmos ao encontro das pessoas", declarou à revista.

Recém-empossado novo pároco de São José, Ademilson Luiz Ferreira (Crédito: Pascom Panorama)

SILÊNCIO

Enquanto o discurso do padre Ademilson representa uma nova postura do clero na Igreja Católica, outros preferem o silêncio. Procurados, os padres Claudinei de Almeida Lima e Valdemar Cardoso e ainda os bispos dom Luiz Antonio Cipolini e Marcos Piatek, preferiram não se manifestarem ao blog.

Claudinei e dom Marcos Piatek somente se expressaram na nota sobre o envio do padre para a Amazônia, publicada na página do Facebook da Diocese de Marília. "Quando conversei com o Dom Luiz, nosso bispo diocesano, o meu sentimento foi de muita felicidade por ter a oportunidade de servir outras pessoas e comunidades", afirmou o padre.

O bispo de Coari deixou seu recado nos comentários do post: "Pe. Claudinei, seja bem vindo a nossa Diocese de Coari,que está no coração do Amazonas, no meio dos rios, lagos e igarapés... Nossa gratidão a Dom Luiz Antonio, ao Clero e a toda a Diocese de Marília!!! Nossa Senhora da Amazônia, rogai por nós!"



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